Everaldo de Carvalho

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ARTIGO

Tenhamos coragem, pais!

Everaldo de Carvalho (*)

Como chegamos a esse ponto?

Sou pai de quatro crianças, dois meninos e duas meninas. Entendo perfeitamente a sensação de medo e de insegurança que estamos vivendo nas últimas semanas. Também concordo com toda ação rápida para que a sensação de segurança retorne as nossas vidas, como muros, detector de metais, vistoria, câmeras, guardas, policiamento, ronda escolar, concertinas etc.Mas é preciso também darmos um passo atrás e refletirmos como sobre como chegamos a esse ponto.

O que tem acontecido nos últimos anos para passarmos de brincadeiras inocentes de crianças, para facas e machados na mochila da escola? O que tem acontecido com os nossos filhos, que ao invés de pular amarelinha e brincar de esconde-esconde, preferem ficar trancados em seus quartos?

Porque será que ao invés de querer brincar com os amigos, nossos filhos preferem jogar on-line e alguns deles durante horas, isso quando não a noite toda e quando enfim podemos estar juntos, preferem a tela do celular do que a pessoa ao lado?

Quando digo para darmos um passo atrás, quero dizer que precisamos nos distanciar do problema para assim termos uma visão mais ampla do fenômeno que acontece.

Somos pais e como pais, como não estamos mais sabendo o que os nossos filhos carregam na mochila? Como pode um filho sair de casa para escola e ao invés de caderno e caneta, portar armas na mochila? Como chegamos a esse ponto?

Como pode um filho ter dezenas de amigos on-line que eu, como pai, não sei quem são? Pior, como eu, como pai, deixo continuar com tais conversas durante horas no celular ou no computador? Como eu, como pai, deveria me sentir, deixando meu filho jogar jogos de extrema violência, onde se mata policiais, se bate na mulher, se pode fazer de tudo, sem regras, sem limites, sem responsabilidade?

Muitos pais, estão tão preocupados em dar aos seus filhos aquilo que não tiveram, que se esqueceram de dar aquilo que eles tiveram: valores, tradições, respeito, responsabilidade e tantas outras virtudes que infelizmente estão num processo de decadência cada vez maior.

Precisamos fundar uma nova escola, mas dessa vez uma ‘Escola de Pais’. Ensinarde novo aospais a importância da presença, do exemplo, dos bons costumes. Reensinar aos pais que mais vale um olhar, um estar com, do que presentes, do que celular, do que games e tantas outras bugigangas materiais.

Estamos ‘coisificando’ o humano e humanizando a coisa, ou seja, estamos dando mais importância ao material e desprezando pouco a pouco as relações humanas.  Muitos de nós passamos mais tempo olhando para o celular do que para o próprio filho.

Um dia, um grande líder nos orientou que deveríamos escolher a porta estreita, que é difícil, mas que conduz ao lugar certo, pois do contrário, escolhendo a porta larga, a mais fácil, seriamos conduzidos a perdição.

Quantas vezes me sinto tentado a não brincar com meus filhos e ligar a TV para eles assistem qualquer coisa.Quantas vezes me vi tentado a escolher o meu lazer, meu conforto, minha ‘paz’ ao invés do sacrifício do meu tempo para uma breve brincadeira com eles.

Quantas vezes desejei dar o celular em nas mãos deles para que eu pudesse fazer os trabalhos necessários na minha casa. Afinal de contas, com o celular em mãos, eles ficam quietinhos…

Quantas vezes me sinto tentado a fazer o que é mais fácil, mais cômodo, afinal de contas eu mereço, eu trabalho o dia inteiro para dar o melhor para eles. Esse tem sido o argumento daqueles que estão a adentrar pela porta larga, talvez se perguntando: como chegamos a esse ponto?

Doutor Peter Whybrow, diretor de neurociência da Universidade da Califórnia, Los Angeles, Estados Unidos, chama as telas de ‘cocaína eletrônica’. Doutor Andrew Doan, chefe das pesquisas sobre adicção no Pentágono e na Marinha dos Estados Unidos – que faz pesquisas sobre o vício em jogos eletrônicoshá anos – afirma que o cérebro do filho viciado em tela se parece com o cérebro de uma pessoa viciada em drogas.

Não por acaso temos dificuldade em afastar nossas crianças das telas e constatamos que elas ficam agitadas quando chega ao fim o período em que podem usá-las. Além disso, centenas de estudos clínicos mostram que as telas aumentam a depressão, a ansiedade e a agressividade, podendo inclusive provocar o desenvolvimento de características psicóticas, que levam o jogador a perder o contato com a realidade.

De acordo com uma declaração da Academia Americana de Pediatras datada de 2013, crianças de 8 a 10 anos passam oito horas por dia em diversas redes sociais, ao passo que adolescentes passam 11 horas diante das telas.Uma em cada três crianças usam tablets ou smartphones antes de aprenderem a falar; 18% dos internautas em idade escolar nos Estados Unidos sofrem com o vício em tecnologia…

Estamos caminhando na mesma direção e talvez até mais rápido.

Everaldo, como impedir que os nossos filhos passem do limite?

Não é tarefa fácil.

Em primeiro lugar, é fundamental impedir que seu filho de quatro, cinco ou nove anos fique viciado em telas. Isso significa Lego no lugar de Minecraft; livros no lugar de celulares; natureza e esportes no lugar de televisão.

Diversos psicólogos afirmam que, para crescer de forma saudável, uma criança precisa de interação social, de brincadeiras criativas e imaginativas e de comprometimento com o mundo real e natural. Infelizmente, o mundo imersivo e viciante das telas enfraquece e dificulta esses processos de desenvolvimento.

Enfim, é necessário encararmos o problema de frente e estarmos dispostos ao sacrifício, pois tal ação exigirá o ‘sim’ das crianças, mas exigirá muito mais de nós, pais!

Que tenhamos coragem de escolher o mais difícil.